A questão agrária e a concentração de terras no Brasil

A questão agrária e a concentração de terras no Brasil

Introdução

A concentração de terras é um dos fatores que alimentam a desigualdade social no país, que detém uma grande concentração de terras nas mãos de uma pequena parcela de proprietários rurais.

A concentração de terras nas mãos de poucas pessoas ou empresas e o avanço das monoculturas sobre os biomas brasileiros são questões agrárias que precisam ser estudas e discutidas para que se possa entender os seus impactos sobre as pessoas e sobre o meio ambiente.

Destaca-se que entre os argumentos em favor da concentração de terras está a possibilidade de produção em larga escala no campo, o que poderia contribuir com a diminuição da fome no mundo e até da pobreza no campo. 

Mesmo com o aumento da produtividade e da quantidade de produtos alimentícios, o problema da alimentação não foi resolvido. Isso ocorre basicamente porque o problema não está em aumentar a área produzida ou produzir em maiores quantidades, mas sim em dar a população as condições financeiras para que consigam adquirir os alimentos básicos para a sua sobrevivência.

O discurso deste modelo de produção no campo está se esgotando, o que tem gerado esforços por parte de produtores e multinacionais em propagandear os benefícios da introdução de monoculturas em larga escala com o auxílio de plantas transgênicas. Estes problemas ressaltam a necessidade de demonstrar que a revolução verde, implementada e consolidada a partir de uma atuação do governo e das multinacionais, não tem contribuído para a diminuição da fome, pelo contrário, tem intensificado os impactos ambientais, a concentração de terras e os conflitos no campo.

O domínio das multinacionais no campo e o aumento da concentração de terras

O protagonismo das empresas multinacionais nos diferentes setores agrícolas não é de hoje. A atuação destas empresas remete ao período colonial, onde por meio das metrópoles tinham a autorização para atuar em várias colônias. É possível citar como exemplo a atuação da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil já no século XVII.

As multinacionais do setor agrícola foram primordiais para a implementação da revolução verde na América Latina, onde se destaca a Rodada Uniguai do Gatt, que terminou em 1993 sendo um marco para o setor agrícola da região, pois permitiu o acesso a mercados externos, a criação de subsídios para exportação e produção agrícola. Este acordo também representou a entrada de grandes grupos multinacionais na América Latina.

Atualmente o Brasil é grande player agrícola, com destaque para a produção de cana-de-açúcar, soja, milho, entre outros. A produção e exportação de etanol tiveram um aumento considerável com a sua adição na gasolina em alguns países, abrindo um enorme mercado para o etanol brasileiro, que passou de 34 milhões em exportações no ano de 2000 para aproximadamente 2,4 bilhões em 2008. 

O aumento da produção também influenciado pelas políticas de flexibilização e desregulamentação do setor sucroalcooleiro implementado inicialmente no governo Collor e logo depois no governo de Fernando Henrique Cardoso na década de 1990. Com a flexibilização, facilitação de atuação e potencial de lucros, este setor passou a atrair grandes multinacionais, sendo possíveis destacar a Shell, Total, BP e Petrobras. Nos últimos anos outras empresas multinacionais também se interessaram pelo setor como a Bunge e a Louis Dreyfus, que tem comprado usinas de cana e etanol no Brasil.

As multinacionais também tem atuado em biomas ameaçados no Brasil, tais como o Cerrado e a Amazônia. Esta última tem sofrido com a expansão da área de produção de soja, principalmente em Estados como Rondônia e Pará. O modelo de agricultura e criação de gado praticado nas regiões sul, sudeste e centro-oeste tem, aos poucos, ganhado espaço nos estados da Amazônia brasileira, com destaque para os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Pará.

A concentração de terras pode ser pode ser analisada por meio da evolução do índice de Gini da propriedade rural, que entre os anos de 1967 e 2006 houve um crescimento da desigualdade no campo, onde o índice passou de aproximadamente 0,836 em 1967 para cerca de 0,854 em 2006.

A concentração de terras, sua relação com a globalização e a produção do espaço rural

A produção do espaço, fruto dos processos de reprodução do capital, acontece pela transformação da primeira natureza, ambiente inabitado e desprovido transformações antrópicas, para a segunda natureza, onde as máquinas e as necessidades humanas são capazes de produzir um espaço único. Estas transformações tem sido frutos das características sociais, políticas, econômicas e históricas de cada sociedade [1]

Para entender como ocorre a produção do espaço, as transformações que ocorrem na paisagem urbana e os diferentes conflitos é necessário investigar primeiramente o papel do capital e do Estado neste processo.

Uma das ações mais visíveis impostas pelo capital e pelo poder das grandes empresas, respaldadas pelo poder estatal, são as violentas transformações urbanas, que dão lugar a novos projetos que visam estabelecer um novo padrão estético e homogêneo na cidade. Novos prédios são construídos para criar uma noção de modernidade, além ressignificar o espaço criando novas atividades e funções.

Assim, estes espaços passam a ser controlados por promotores imobiliários vinculados aos interesses do sistema financeiro que organiza todo o processo de produção e reprodução espacial. Estes passam a fragmentar o espaço, que é negociado no mercado. 

O papel do Estado no processo de transformação do espaço urbano está na criação de instrumentos legais que acabam por modificar as funções dos lugares da cidade contribuindo para reproduzir os interesses do capital e aprofundando as diferenças entre os lugares.

Estas diferenças se expressam na existência de uma hierarquia urbana e na segregação espacial. Ao contribuir para direcionar os investimentos em infraestrutura, o Estado acaba contribuindo para aprofundar as desigualdades no espaço urbano, interferindo na apropriação dos espaços e ajudando a valorizar áreas de interesse de promotores imobiliários.

Desde a década de 1970 o agronegócio tem se tornado responsável por mudanças substanciais nas formas de uso e ocupação da terra no Brasil. Entre os produtos do agronegócio se destaca a produção de soja, que nas últimas décadas tem avançado sobre biomas como o Cerrado e a Amazônia.

O avanço do agronegócio em biomas como o cerrado e a amazônia, tem sido resultado de uma série de fatores, entre eles as próprias políticas públicas de ocupação da região e o aumento da importância das monoculturas na pauta exportadora do país, que tem sofrido com a redução da exportação de produtos manufaturados.

O modelo de agricultura e criação de gado praticado nas regiões sul, sudeste e centro-oeste tem, aos poucos, ganhado espaço nos estados da Amazônia brasileira, com destaque para os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Pará.

Analisar o uso da terra na fronteira agrícola brasileira, em especial na região amazônica é uma tarefa complexa, principalmente devido às interações existentes entre a economia, o crescimento demográfico e as políticas institucionais de cunho expansionista na região.

Esta tarefa se tornou ainda mais complexa com a aprovação do novo código florestal em 2012, onde se abriu a possibilidade de legalizar os desmatamentos realizados antes de 2008, permissão de legalização de áreas comprovadamente consolidadas e permissão de supressão da vegetação em até 20% em pequenas áreas.

Parte do agronegócio, ligada a indústria de alimentos, financia o chamado grupo ruralista brasileiro. Este grupo é responsável por criar leis e fazer lobby em prol de pautas que beneficiam o setor do agronegócio em detrimento das demais áreas [2]

Tanto poder acaba por influenciar na própria dinâmica e organização socioespacial dos municípios que possui como principal fonte de arrecadação de impostos os produtos gerados pelo agronegócio. Esta situação tem sido observada em todo o país, porém com mais intensidade em cidades da Amazônia localizadas principalmente no chamado arco do desmatamento.

Nas últimas três décadas tem-se observado a introdução e expansão da agricultura mecanizada na Amazônia, representada principalmente pela monocultura da soja. Esta expansão expressa um processo que se iniciou a muito tempo na região Sul do Brasil e que posteriormente se expandiu para outras regiões do país. 

A reprodução do capital por meio do agronegócio especializado e globalizado contribui para o crescimento da demanda de novos produtos e sérvios especializados, promovendo o crescimento do tamanho das cidades influenciadas pela dinâmica agrícola moderna.  Estas cidades passam a oferecer os meios adequados para a reprodução das condições socioeconômicas do campo por meio destes serviços especializados, tais como: conserto de equipamentos agrícolas, comercialização da produção, serviços ambientais e agronômicos, entre outros.

A modernização das atividades no campo tem exigido uma nova refuncionalização das cidades. Se antes a cidade determinada a dinâmica de produção no campo, agora é o campo que determina a dinâmica socioeconômica nestas cidades. É neste cenário que há uma nova organização territorial urbana, devido principalmente a presença de instalações fixas, tais como: bancos, aeroportos, armazéns, terminais de transporte, sistemas de energia, comunicação, comércio, entre outros. Estas instalações permitem a viabilização de fluxos essenciais para os circuitos espaciais produtivos.

O modelo de agricultura e criação de gado praticado nas regiões sul, sudeste e centro-oeste tem, aos poucos, ganhado espaço nos estados da Amazônia brasileira, com destaque para os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia e Pará. A introdução de um modelo de produção mecanizada de soja tem anunciado uma “nova” possibilidade de desenvolvimento para a região (COSTA, 2010). Porém, este modelo de desenvolvimento tem cobrado um alto custo, tais como o aumento da concentração fundiária, dos conflitos rurais, da especulação e grilagem de terras, e possível aumento do desmatamento e das queimadas decorrente do avanço das atividades agrícolas na região.

Conclusão

Foi possível observar que a revolução verde e a globalização ditaram uma nova dinâmica rural no espaço agrário brasileiro, onde grandes proprietários de terras, incluído grandes empresas multinacionais, direcionam sua produção para atender o mercado externo. Problemas como estes contribuem para entender, mesmo que de maneira inicial, a complexidade que é tratar da questão agrária e da concentração de terras no Brasil.

Referências consultadas

[1] BOTELHO, Adriano. (2012). A cidade como negócio: produção do espaço e acumulação do capital no município de São Paulo. Cadernos metrópole 18 pp. 15-38 20. 2007

[2] PEREIRA, Eder, Johnson de Area Leão; RIBEIRO, Luiz Carlos de Santana; FREITAS, Lúcio Flávio da Silva; PEREIRA, Hernane Borges de Barros. Brazilian policy and agribusiness damage the Amazon rainforest, Land Use Policy. Volume 92, 2020, 104491.

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