Como a falta de portos impede o crescimento boliviano

Introdução

Segundo Mackinder, certos países, com uma larga frente oceânica, desenvolviam
uma vocação marítima, enquanto países mediterrâneos levavam ao desenvolvimento de
uma vocação territorial e expansionista. A análise histórica baseada no primado
geográfico mostrou que, se o poder continental possuísse simultaneamente uma sólida
base terrestre e uma frente oceânica, poderia também transformar-se em poder marítimo [1]

Os conflitos que se desenvolviam entre os poderes marítimos e terrestres, eram baseados justamente na possibilidade de ganhar saída para o mar, e com isso se tornar um poder anfíbio ou manter o domínio sobre os mares e as regiões costeiras, suprimindo o inimigo.

O conflito entre Bolívia e Chile iniciou-se em 1878, quando foi aprovada pelo Congresso boliviano a cobrança de impostos para exportação de minérios, o que fez com que o governo chileno ocupasse a região portuária de Antofagasta, na época pertencente à Bolívia, a fim de barrar as pretensões fiscais bolivianas na região. A superioridade tecnológica da Marinha chilena deu ao país o domínio marítimo da região, fato decisivo no decorrer da guerra, já que o cenário do conflito, o deserto do Atacama, era extremamente árido, de difícil acesso por terra e com um terreno acidentado [1] Cabe ressaltar que o Peru também participou do conflito por meio de uma Aliança boliviano-peruana contra o Chile. Esta aliança teve como um dos principais objetivos à necessidade do governo peruano de proteger as salitreiras de Tarapacá do avanço chileno.

Quando o exército chileno atravessou o deserto árido do Atacama por volta de 23 de março de 1879, encontrou e enfrentou alguns poucos soldados bolivianos isolados no litoral. Esta é considerada pelos historiadores como a única batalha por terra entre chilenos e bolivianos. Em poucos dias, os quatro navios da armada chilena conseguiram ocupar os portos de Cobija e Tocopilla, estendendo sua dominação por toda a costa até a fronteira com o Peru [2].

A agenda dos treze pontos

Lago de sal na Bolívia
Lago de água salgada na Bolívia

A Bolívia realmente quer um porto para chamar de seu. Por mais de um século, o país latino-americano sem litoral luta com o Chile por acesso soberano ao Oceano Pacífico e recuperação de território que a Bolívia perdeu em uma guerra do século XIX com seu vizinho. Várias declarações legais foram feitas e várias trocas diplomáticas foram realizadas desde então.

Mas as esperanças de recuperar o acesso ao Pacífico foi frustrada pela Corte Internacional de Justiça em outubro de 2019. O tribunal decidiu que o Chile não é legalmente obrigado a negociar o acesso soberano da Bolívia ao oceano.

Durante a primeira presidência de Michelle Bachelet (2006-2010), Chile e a Bolívia
concordou em abordar a relação bilateral por meio da Agenda dos Treze Pontos. Esta agenda servia como uma bússola para ambos os países tratarem sobre o tema. No âmbito deste documento, a questão marítima foi incorporada com o objetivo de intercâmbio de critérios entre os dois países, alimentando assim um processo de diálogo construtivo que favorecia o desenvolvimento da confiança mútua. O governo de Morales recebeu essa abordagem incipiente com esperança, pois, de sua perspectiva, esta
foi uma grande oportunidade para resolver uma reivindicação histórica: obter acesso a
soberano para o mar.

Com a agenda dos treze pontos sem surtir o resultado esperado, em 24 de abril de 2013, a Bolívia apresenta seu caso a Corte Internacional de Justiça (CIJ), baseando-se no Tratado Americano de Soluções Pacíficas de 1948, conhecido como o Pacto de Bogotá, instrumento do qual o Chile também é signatário. [3].

Os impactos da decisão da Corte Internacional de Justiça

A decisão marcou um golpe para o presidente boliviano, Evo Morales, que tinha grandes expectativas de restaurar o acesso de seu país ao mar. O acesso soberano ao Pacífico traria à Bolívia benefícios econômicos significativos. Em particular, a Bolívia buscou o controle das cidades portuárias de Arica e Antofagasta. Ambas as cidades têm cerca de um quarto de milhão de habitantes e são cruciais para exportar para a Ásia.

A maioria das remessas internacionais do Chile ocorre em Antofagasta e Arica, mas concede à Bolívia acesso aos dois portos. A partir daqui, a Bolívia envia principalmente matérias-primas (como estanho) e commodities (soja e sementes de girassol). Seus maiores parceiros comerciais são Coréia do Sul, Índia, Emirados Árabes Unidos, Japão e Bélgica. A Bolívia embarcou cerca de 80% de suas exportações totais da Arica em 2017.

O principal argumento da Bolívia foi que essa falta de acesso ao mar prejudicou suas possibilidades de progresso como um estado em desenvolvimento. O acesso soberano ao Oceano Pacífico, espera a Bolívia, melhoraria significativamente sua posição de barganha nas relações comerciais latino-americanas e globais.

Atualmente, o PIB da Bolívia é inferior a 15% do tamanho do Chile. O Chile se beneficia significativamente de sua longa linha costeira. O comércio – cuja maior parte é com países fora da América Latina – responde por 56% de seu PIB. Isso é particularmente verdadeiro na área costeira disputada, que se beneficia do fácil acesso aos portos para enviar mercadorias (cobre, molibdênio, prata e ouro) de seus locais de mineração para a China, o Japão e a Coréia do Sul.

O Chile concede à Bolívia acesso livre de tarifas aos portos de Arica e Antofagasta. Também permite que a Bolívia tenha seus próprios funcionários aduaneiros lá. Mas, apesar disso, o acesso soberano aos portos melhoraria significativamente a posição comercial da Bolívia. Estima-se que a falta de acesso soberano ao oceano Pacífico acrescente 55,7% ao preço pago por contêiner embarcado em comparação com o que o Chile paga.

Sem litoral aumentam os custos de transporte da Bolívia, pois são mais altos em terra do que no mar. Além disso, as taxas de transporte terrestre geralmente estão sujeitas a preços de monopólio nos países vizinhos. Por esse motivo, a maioria dos países sem litoral é economicamente desfavorecida – em média, a taxa de crescimento dos países sem litoral é três pontos percentuais e meio menor que a de outros países.

Além disso, a pesquisa mostra que, apesar da liberalização comercial substancial dos países em desenvolvimento na década de 1990, o desempenho das exportações dos países sem litoral foi mais fraco do que o dos países em desenvolvimento com acesso soberano aos mares no período entre 1995 e 2015, devido aos custos comerciais adicionais associados a sendo sem litoral.

Para países sem litoral desenvolvidos, como Áustria e Suíça, a geografia não tem um impacto tão grande no desempenho econômico. Dos 45 países sem litoral do mundo, os nove países desenvolvidos de alta renda da Europa não têm uma experiência de crescimento estatisticamente significativamente diferente da de outros países desenvolvidos. Isso ocorre porque eles estão rodeados por outros países desenvolvidos, com acesso a uma das melhores redes de comércio do mundo. Portanto, os desafios que enfrentam são muito diferentes daqueles enfrentados pelos países em desenvolvimento sem litoral.

A Bolívia não está em posição de conseguir isso e é improvável que aceite a decisão do tribunal internacional em silêncio. Também há claramente um elemento político em jogo aqui – o acesso ao Pacífico é uma questão emotiva para o povo boliviano. Mas o país poderá ter uma melhor situação econômica caso se concentre na diversificação de sua estratégia comercial, em vez de apenas lutar pelo acesso soberano a Arica e Antofagasta.

Em vez de focar nas rotas marítimas, deve construir melhores relações comerciais com os blocos comerciais sul-americanos. Tanto o Mercosul (que inclui Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) quanto a Aliança do Pacífico (que inclui Chile, Peru, Colômbia e México) são opções. O crescimento econômico da Bolívia se beneficiaria mais de fazer alianças com seus vizinhos, em vez de prolongar uma batalha legal incerta.

O Chile e o Peru ainda têm uma relação flutuante, permanentemente afetada pela herança do passado.
A Guerra do Pacífico e suas consequências mais visíveis – perda territorial, invasão chilena e
consequente obtenção de troféus de guerra – ainda são um fator determinante no avanço e
desenvolvimento de laços entre Chile e Peru [4].

Referências consultadas

[1] https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2015/xiiisemanaderelacoesinternacionais/geopolitica-da-america_eder-ludovico.pdf

[2] BASADRE, Jorge. Chile, Perú y Bolivia independientes. Buenos Aires: Salvat, 1948.

[3] CEPPI, Natalia. Bolivia y Chile ante la CIJ: punto final a la judicialización del reclamo marítimo. 2019.

[4] https://scielo.conicyt.cl/pdf/revcipol/v24n2/art15.pdf

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