A sociedade global de Octavio Ianni

Antes de iniciar a análise crítica do respectivo livro, se faz necessário apresentar antes de tudo, a biografia deste importante sociólogo que escreveu de maneira visionaria as questões sociais e globais.

Octavio Ianni formou-se em ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 1954. Logo após a formatura, integrou o corpo de assistentes da Faculdade, na cadeira de Sociologia I, da qual Florestan Fernandes era o titular. Foi um pensador devotado à compreensão das diferenças sociais, das injustiças a elas associadas e dos meios de superá-las.

Ianni participou da chamada Escola de Sociologia Paulista, que traçou um panorama novo sobre o preconceito racial no Brasil. Ao lado de Florestan Fernandes e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é considerado um dos principais sociólogos do país. Nos últimos anos, dedicou seus estudos à globalização.

Suas principais obras são: “Cor e Mobilidade Social em Florianópolis” (1960, em colaboração), “Homem e Sociedade” (1961), “Metamorfoses do Escravo” (1962); “Industrialização e Desenvolvimento Social no Brasil” (1963), “Política e Revolução Social no Brasil” (1965), “Estado e Capitalismo no Brasil” (1965), “O Colapso do Populismo no Brasil” (l968).

Também devem ser citados “A Formação do Estado Populista na América Latina” (1975), “Imperialismo e Cultura” (1976), “Escravidão e Racismo” (1978), “A Ditadura do Grande Capital” (1981), “Classe e Nação” (1986), “Dialética e Capitalismo” (1987), “Ensaios de Sociologia da Cultura” (1991), “A Sociedade Global” (1992)

Em suas pesquisas especializou-se na análise do populismo e do imperialismo. Fez parte da chamada “Escola Paulista de Sociologia”, cuja principal referência é Florestan Fernandes. Na década de 1990, sua pesquisa se focou mais na crítica à nova ordem global.

Em a sociedade global, Octavio Ianni faz uma análise da globalização apresentando os novos significados que este conceito concede aos indivíduos e à sociedade. Em uma época em que todos nós caminhamos para uma globalização da economia, Ianni alerta para a outra face da moeda. Segundo este sociólogo a revolução tecnológica traz consigo o desenvolvimento durante a qual decolaram as libertações das colônias europeias na África, Ásia e América latina.

Na História da Mundialização, terceiro capítulo de seu livro, levanta aspectos interessantes no qual podemos mencionar o vasto processo que se havia intensificado desde o término da Segunda Guerra Mundial, relatando como a Guerra Fria, adquire novo ímpeto com a crise do Bloco Soviético, as modificações revolucionárias nos países do Leste Europeu, a queda do Muro de Berlim, o término da Guerra Fria, a singular aliança militar, política e economia de quase todos os países mais fortes do mundo contra o Iraque, com base em uma decisão da Organização das Nações Unidas (ONU) e em conformidade com uma proposta do governo dos Estados Unidos.

Para Ianni a globalização em andamento nesta altura da história apresenta características muito especiais na qual podemos citar os componentes usados para a geração de energia nuclear e bomba nuclear, tornando-se a mais poderosa arma de guerra.

A revolução informática – uma capacidade incrível de formar e informar, induzir e seduzir, provavelmente esta característica não poderá jamais ser na mesma escala.  Terceiro, a organização de um sistema financeiro internacional, em acordo com as exigências da economia capitalista mundial e em conformidade com as determinações dos países dominantes.

As relações econômicas mundiais sofrem intensamente influências a partir de exigências das empresas, corporações ou conglomerados multinacionais, transnacionais, mundiais, globais, planetários, e a reprodução ampliada do capital universaliza-se na realidade em uma nova escala, com novo ímpeto, criando novamente relações nos quatro cantos do mundo.

O idioma inglês se transforma na língua universal. O ideário do neoliberalismo adquire predomínio mundial, como ideologia e prática. Enfim, Para Ianni as características da globalização mencionadas anteriormente configuram a sociedade universal, como uma sociedade civil mundial e promove o deslocamento das coisas, indivíduos e ideias, promovendo a desterritorialização generalizada. Este processo conta com alguns fatores novos e revolucionários, surpreendentes até mesmo para os estudiosos.

Para Octavio Ianni está acontecendo um novo ciclo de ocidentalização do mundo. Uma ocidentalização, que é simultaneamente social, econômica, política e cultural, sempre se desenvolvendo de modo desigual, articulado e desencontrado. Referindo-se a esta desigualdade promovida pela mundialização afirma que sob vários aspectos, o novo ciclo de ocidentalização recoloca em destaque o problema da mundialização da indústria cultural, com a expansão dos meios de comunicação de massa e a produção de uma cultura de tipo internacional-popular. “verifica-se a mobilização de todos os recursos disponíveis dos meios de comunicação, da mídia em geral imprensa eletrônica, de modo a “reeducar” povos nações e continentes”.

No quinto capítulo Octavio Ianni apresenta a Desterritorialização. O autor apresenta de forma clara, e de agradável leitura, como a globalização atua na desenraização do capital, da política e da cultura, efeito pós-moderno.

O primeiro aspecto apontado por Ianni é que a desterritorialização coloca em xeque a noção até então conhecida de Estado-Nação, que com financiamentos, fica refém do capital especulativo e suas operações eletrônicas em busca de maiores lucros onde se oferecem menores barreiras tarifárias e maiores taxas de juros. Além disso, a cada dia, as grandes corporações assumem papéis importantes na decisão dos rumos tanto das políticas econômicas quanto sociais do Estado-Nação.

Além disso, outra conseqüência da globalização é a terceirização do processo produtivo, em especial rumo aos países de terceiro mundo, com legislação trabalhista frágil, um grande exército de reserva e a precarização das relações de trabalho/produção. É comum que grandes empresas mantenham em seus países de origem tão somente escritórios, enquanto produzem seus produtos em galpões de Bangladesh, Indonésia, etc, a um preço ínfimo de semiescravidão, mas vendem seus produtos em todo o mundo ao preço que a marca exige. Isso acontece principalmente com o setor de vestuário e alguns tipos de eletrônicos.

Ianni aponta ainda para a atuação da globalização nos terrenos das ciências sociais e na formação do que ele chama de “multinacionais da sociologia, economia, ciência política, antropologia, história, geografia, psicologia, psicanálise, linguística, educação e outras ciências”. Percebendo a importância de atuar também no campo ideológico, o capital investe cada vez mais na universidade com patrocínios com grandes lucros para a pesquisa de extensão no campo das ciências biológicas e de produção.

Diversos estudos comparativos servem para espalhar valores, padrões, ideias, formas de pensar e trabalhar predominantes no ocidente. Aliado à expansão dos grandes veículos de comunicação, isso extingue as culturas locais, bem como os vínculos de lealdade e identidade dos pequenos grupos sociais. A consequência deste conjunto de acontecimentos com vistas apenas à reprodução e ou acumulação de capital é alarmante.

Nas palavras de Ianni:

O processo de desterritorialização tem acentuado e generalizado as condições de solidão. Indivíduos, famílias, grupos, classes e outros segmentos sociais perdem-se no desconcerto do mundo. (…) são continuamente bombardeados por mensagens, recados e interpretações distantes, díspares, alheias. (…) Desenvolvem-se as condições de alienação e, em consequência, acentuam-se as de solidão.

Enfim, de forma resumida é possível destacar de acordo com as palavras de Ianni que “a sociedade global desterritorializa quase tudo o que encontra pela frente. E o que se mantém territorializada já não é mais a mesma coisa”. Ou seja, produz um fetichismo exacerbado em pról da nova ordem pós-moderna onde tudo é “isento de tensão e aura do real”.

O cidadão do mundo aparece para nós como uma tentativa de vislumbrar a formação de outro indivíduo, que pode ser um novo, diferente e problemático cidadão. São radicais as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais, em curso, em escala mundial, nacional e local, que cabe reconhecer que está em curso também a formação de outros, novos, diferentes e problemáticos ‘indivíduo’ provavelmente ‘cidadão’.

Porque o ‘indivíduo e/ou cidadão nacional encontra-se em crise, em declínio e corre o perigo de desaparecer’. Chama a atenção para o papel  que o Banco Mundial  tem tido como “o agente principal na definição do caráter ‘economicista’, ‘privatista’ e ‘tecnocrático’ da reforma dos sistemas de ensino nos três níveis em curso na maioria dos países, desde os anos de 1950 do século XX e entrando pelo século XXI”. Bem como, chama a atenção para os meios de comunicação, para a indústria cultural, mas reconhece que a mídia quando escapa ao poder dos grandes interesses pode “contribuir para outras formas de sociabilidade” e assim contribuir “para que o cidadão do mundo que ainda  se encontra em formação venha a constituir-se como realização; como expressão e símbolo de outra sociedade, onde poderá surgir a humanidade, não só como utopia, mas também como realidade.”

No capitulo as formas de poder global Ianni argumenta a despeito das disparidades entre essas esferas (econômicas, sociais, políticas e culturais), bem como entre regiões, nações e continentes, nenhum projeto nacional terá condições de realização se for de encontro aos movimentos que governam a sociedade global.  Existem grupos e entidades presentes no plano internacional que influenciam o processo de decisão doméstico.

Ianni considera que os principais centros de mando e decisão dispersam-se em distintas instituições, organizações, agências, empresas, corporações, conglomerados. Em primeiro lugar, estaria a ONU. Em segundo colocam-se as poderosas instituições ligadas ao sistema monetário mundial, como o Fundo Monetário Internacional, e o Banco Mundial. Em terceiro lugar, estariam, para Ianni, as empresas, corporações e conglomerados ditos multinacionais, transnacionais, mundiais, globais ou planetários. Em quarto lugar estaria a indústria cultural que influenciam o processo de decisão doméstico. Entre as quais se podem mencionar as Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Em termos de investimentos, destaca-se o G-7 e a OCDE e em termos comerciais, inclui-se desde os EUA e Canadá até a EUA, o MERCOSUL e o Japão. Uma das criticas que podemos fazer a Ianni é que a ONU não consegue impor sua vontade e não há consenso dentro dela.

Não há como visualizar a construção de qualquer estrutura de poder com hegemonia mundial, em curto prazo. Muitos hão de concordar com as palavras de Octávio Ianni, quando o mesmo conclui neste capítulo: “Somente no âmbito de uma sociedade global aberta, uma espécie de sociedade civil global, isenta das estruturas de dominação que garantem a alienação de muitos por alguns, somente nessa sociedade pode nascer o cidadão do mundo. Neste caso, a cidadania traz consigo a soberania, traduzindo a essência da hegemonia”.

Em a marcha da historia Ianni reforça muitas vezes no contexto da sociedade global e as relações de interdependência, integração, fragmentação e antagonismos, que segundo ele podem ser vistas como novas e que ainda não decifradas em conceitos, categorias, leis ou explicações.

O autor ao longo do capitulo realiza uma abordagem sobre os novos surtos da globalização que simultaneamente geram novos surtos de fragmentação. Globalização e interdependência são os mesmos da fragmentação e antagonismo no sentido de “compreender nações e continentes, mercados e mercadorias, trabalho e tecnologia, classes sociais e grupos étnicos, religiosos e lingUísticos, povos e indivíduos, ou seja, a mesma força que produz e reproduz a integração de uns e outros é a mesma que simultaneamente produz e reproduz as contradições entre eles e mais objetivamente as desigualdades.

Ainda sobre a s formas de fragmentação e antagonismo, Ianni argumenta a respeito do racismo que cresceu no mundo todo e principalmente na Europa, onde o processo de imigração de pessoas de várias partes do mundo gerou cada vez mais discriminação, segregação, perseguição e expulsão, fatos estes que ocorrem contra estes imigrantes.

Ao avançar da leitura deste capitulo o autor faz um breve comentário a respeito da cartografia mundial que esta sendo refeita deste de que terminou a guerra fria. Ianni categoricamente afirma que o capitalismo e socialismo são dois processos civilizatórios universais, distintos e antagônicos e para Ianni um nasce do outro, recriando-se, negando-se reciprocamente.

Ainda sobre os temas capitalismo e socialismo Ianni comenta que este nasceu das conquistas e contradições daquele. O socialismo se opõe ao capitalismo, porem se aproveita de algumas vitorias sociais, econômicas, políticas e culturais e inova com suas novas propostas. O autor cita ao final deste capitulo as palavras de Karl Marx onde ele relata que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver, quando as condições materiais para o solucionar já existiam ou estavam, prestes a aparecer.

No último capitulo de seu livro que aborda sobre os horizontes do pensamento, Ianni revela que nos fins do século XX, as ciências sociais se depararam com problemas recentes que surpreenderam pelo fato de serem questões pouco ou nunca trabalhadas. Os debates sobre o individualismo metodológico e holismo metodológico batem de frente com as dimensões multinacionais, internacionais, mundiais ou globais das relações, processos e estruturas. Ou seja, criam-se de maneira natural desafios para as perspectivas teóricas lançadas em moldes de evolução e distinção, ordem e progresso entre outros fatores.

Ianni utiliza os trabalhos de Hegel, Kant e outros autores para reforçar os estudos teóricos e suas problemáticas de maneira a desenvolver sua análise neste capitulo. Com isso, dentro da sociedade global, encontra-se o relacionamento de processos e estruturas de dominação e apropriação, antagonismo e integração. Ainda na sociedade global, há o envolvimento de outros e novos modos de ser, viver, trabalhar, agir, sentir, pesar, sonhar, enfim, trata-se de um horizonte histórico e teórico em que o individuo, o grupo, etnia, minoria, classe, sociedade, povo, cidadania, democracia, etc., adquirem novos significados.

Ao finalizar este capitulo, Ianni relata que o singular e o universal tanto se impregnam de novas e recentes mediações como encontram outras novas possibilidades de se expressar.

Ianni, Octavio. A Sociedade Global. Ano:1999. Editora: Civilização Brasileira.

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