Desigualdade econômica no Brasil

Desigualdade econômica no Brasil

Introdução

Publicado em 2015, o livro Desigualdade econômica no Brasil tem como autor o professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp. Nesse texto, vamos tratar dos seguintes temas: desigualdade no mundo; desigualdade nas classes sociais e desigualdade entre empresas.

Desigualdade no mundo

No segundo capítulo do livro Desigualdade Econômica no Brasil, o economista Marcio Pochmann expõe a crescente desigualdade no mundo que vem ocorrendo desde o fim da década de 1970. Além disso, observa-se uma diminuição do dinamismo das forças produtivas, ocasionadas pela contenção da atuação da esfera pública e pela desordem mundial.

O enfraquecimento da esfera pública, que ocasiona o que o autor chama de desbalanceamento entre os setores públicos privados, tem contribuído para o avanço do processo de neoliberalização das economias.

A compreensão das relações e ações que permitem o avanço do neoliberalismo é um exercício necessário e importante para a compreensão da desigualdade no mundo. Compreender o neoliberalismo e suas implicações nas economias dos países não é uma tarefa simples, porém quando feita com sucesso permite que ações que se desenvolvem no âmbito da cidade, tais como a securitização, gentrificação, aumento da desigualdade de classes e a violência sejam melhor compreendidas tanto em escala local quando global.

A reorganização regulatória, necessária para a implantação do sistema neoliberal, é caracterizada por meio de privatizações, liberalização do comércio, desregulamentação, financeirização e ajustes no âmbito previdenciária. Tais ações, se tornam benéficas para países que já alcançaram um nível de desenvolvimento econômico, tecnológico, institucional e social avançados. Países ainda em desenvolvimento não conseguem colher os frutos deste modelo, principalmente por que ainda não possuem empresas e instituições capazes de concorrer com os grandes grupos financeiros e empresariais já consolidados.

O Brasil foi um dos países que adotaram em certa medida as ações propostas pelo consenso. Pode-se destacar a privatização de um grande número de estatais, principalmente a partir da década de 1990, além da atração de multinacionais e capital estrangeiro. Na época a União conseguiu levantar recursos consideráveis com a venda, que mais tarde se provou uma ação maléfica para o país, principalmente porque não garantiu o desenvolvimento industrial e a criação de empresas nacionais o suficiente para que o país pudesse dar um salto tecnológico e industrial capaz de retirar o país da chamada armadilha da renda média e da diminuição das diferenças brutais entre as diferentes classes sociais.

A ampliação da superclasse global, das diferenças entre ricos e pobres é melhor compreendida quando se analisa as origens das desigualdades entre as nações. Um fator que contribuiu consideravelmente para a diferenciação do padrão de vida e consequente aumento da desigualdade entre indivíduos e entre nações foi os ganhos de produtividade proporcionados pela era industrial.

As desigualdades diminuíram nas primeiras décadas do século e voltaram a crescer nas três últimas décadas deste mesmo século. De acordo com Marcio Pochmann o fim da Ordem Capitalista a partir da década de 1970 destravou um conjunto de políticas nacionais desregulatórias. Isso contribuiu para a diminuição da capacidade dos Estados nacionais em atuarem em prol do desenvolvimento e distribuição da renda.

O crescente poder privado e consequentemente a ascensão das grandes corporações nacionais e transnacionais favoreceu, conforme afirma o autor a precarização do trabalho, com a diminuição de direitos trabalhistas, e o aumento da fome. Destaca-se que a função do governo na relação entre empregador e empregado passa pelo crivo das leis trabalhistas e por pensar políticas públicas que sejam capazes de resolver a questão do desemprego e suas consequências a curto, médio e longo prazo. É a partir deste pensamento que surgem as políticas públicas de trabalho, renda e emprego.

Quanto maior a concorrência entre trabalhadores, melhor para o modo de produção capitalista, diante da possibilidade de queda dos custos de contratação dos empregados. Seguindo este mesmo raciocínio, com a concorrência elevada no mercado de trabalho há uma maior subordinação da mão-de-obra na acumulação de capital, estando estes mais vulneráveis aos anseios dos donos dos meios de produção.

Assim, a soma de todos os trabalhadores desempregados e os que atuam na informalidade resultam em um verdadeiro exército de mão de obra totalmente disponível aos capitalistas. Esta mão de obra desempregado torna-se então, vulnerável e passível de ser manipulada sempre que for necessário aos donos dos meios de produção.

Pochmann também afirma que, ao mesmo tempo, os postos de trabalho identificados com a formação de uma classe média assalariada encontram-se contidos, especialmente nos países que registram à desindustrialização de seus parques produtivos, cada vez mais dependente de ocupações flexíveis dos serviços de baixa remuneração, quase sempre terceirizados. Com isso, fica assegurado ao proprietário do capital o total controle sobre a força de trabalho excedente, podendo este definir se haverá uma maior ou menor demanda por trabalhadores. Diante destas situações, os trabalhadores tornam-se massa de manobra tanto para o governo e os políticos de plantão quanto para o grande capitalista.

As desigualdades entre empresas

Observa-se que a desigualdade não existe somente entre pessoas, mais entre empresas. A Segunda Revolução Industrial e Tecnológica, por exemplo, ocorrida no final do século XIX, viu grandes processos de fusão e aquisição. Isso permitiu o surgimento de grandes empreendimentos privados nacionais. Com o passar dos anos o crescimento e fusão de empresas permitiram o surgimento de empreendimentos transnacionais, monopolizando ainda a produção de determinados produtos.

Atualmente, cerca de 500 grandes corporações transnacionais dominam qualquer setor de atividade econômica e respondem por mais da metade do comércio mundial e quase 2/3 dos recursos aplicados globalmente em pesquisa inovação. O domínio do setor produtivo por um pequeno grupo de empresas se torna um risco para países como o Brasil, pois estas empresas possuem capacidade política e financeira o suficiente para desestabilizar governos e manterem a sua política de desvalorização da mão de obra e manutenção do lucro máximo sobre suas operações.  

As desigualdades entre as classes também expõem o surgimento de uma superclasse global. Desde do final do século XX há uma crescente piora da distribuição de renda e riqueza. Tudo isso é acompanhado de um aumento da desigualdade e ampliação do poder privado com o surgimento de uma superclasse

Para Pochmann essa superclasse de poder é decorrente da formação de uma rede global de valor operada a partir de um núcleo central de comando das grandes corporações transnacionais na economia mundial e de interferência política direta e indireta nos governos dos Estados nacionais. Destaca-se que a existência de elites já havia sido identificada no período da expansão da sociedade urbana e industrial já no século XIX, onde começou a aparecer as grandes empresas.

A compreensão da dinâmica social, política e econômica que se dá na própria dinâmica do espaço geográfico brasileiro pressupõem a análise de uma série de fatores que contribuem para a produção do espaço geográfico. Entre estes fatores é possível destacar os seguintes: desenvolvimento urbano e rural; formação política, econômica e socioespacial; fluxos econômicos; processos de urbanização; desigualdades regionais e espaciais; redefinições territoriais, entre outros. Este são um dos temas que serão tratados na fundamentação teórica desta pesquisa.

Neste sentido, o entendimento dos fluxos econômicos globais, da desigualdade entre pessoas e empresas passa pela compreensão da globalização, das diferentes revoluções industriais e seus fluxos, representados por meio do papel desempenhado pelas empresas transnacionais capazes de produzirem em grande escala, investir em inovação e determinar o seu modo de atuação nos países.

Também surge uma grande problemática relacionada a capacidade do processo de globalização em beneficiar a maioria da população mundial, pois as disparidades econômicas aumentaram com a globalização, a concentração de renda elevou as desigualdades econômicas entre países, entre outros. Isto significa dizer que, de maneira geral, o mundo desenvolvido ficou ainda mais rico, e o subdesenvolvimento, muito mais pobre.

Nos primeiros anos do século XXI, os hiper-ricos tornam-se cada vez mais portadores do controle da economia e política no cenário global. Em grande medida, o avanço da globalização neoliberal, adotada por países como o Brasil, em favor da desregulação dos mercados e de redução da capacidade dos Estados nacionais atuarem favoravelmente em prol do desenvolvimento e da elevação homogeneizadora do padrão de vida do conjunto da população tem contribuído para o aumento do desemprego, para a precarização do trabalho e aumento das diferenças socioeconômicas entre as classes sociais.

Desigualdade nas classes sociais

O processo de desenvolvimento do capitalismo foi caracterizado pelo estabelecimento ou separação dos indivíduos em classes distintas, permitindo uma separação das funções e benefícios a que uma classe estaria submetida.

A posição inserção de um indivíduo em uma classe social será determinada pela sua capacidade de inserção nos mercados de bens ou de trabalho. Se possui os meios para produzir e comercializar será capaz de estabelecer a condição de classe do capital. Caso não consiga, irá depender da renda auferida por meio do trabalha. Só assim, irá conseguir os meios necessários para sobreviver. Com base nisso, fica evidente o porquê da existência de classes sociais no sistema capitalista.

O texto deixa claro a existência de duas classes sociais nas sociedades capitalistas. A primeira condiciona direta e indiretamente a relação entre proprietários e meios de produção e a segunda são os não proprietários, aqueles que são chamados de trabalhadores e que dependem da venda da sua força de trabalho para sobreviver. A partir dai surge uma diversidade de composição e posição de classes sociais orbitando frente aos mercados de bens e de trabalho. Enquanto que a renda dos proprietários é resultado dos lucros de seus negócios, a renda dos não proprietários é resultado de seus salários, remunerações ou rendimentos do trabalho.

Para o autor, mesmo que tenha sua natureza alterada, a riqueza expressa fundamentalmente o processo de acumulação da riqueza. Isso leva a uma tensão que acaba por ocasionando conflitos entre proprietários e não proprietários dos meios de produção.

O entendimento do espaço do ponto de vista capitalista, destacando o espaço urbano, é muito mais complexo e abrangente do que a simples delimitação de certos limites. Trata-se de algo que é produzido e reproduzido de acordo com certas condições sociais e econômicas vigentes. O espaço, ao longo do modo de produção capitalista, passa a fazer parte de circuitos de valorização do capital. Isso significa que o espaço urbano passa a ser mercantilizado por meio de diferentes métodos tais como: construção de condomínios verticais e horizontais, parcelamento e loteamento do solo.

O espaço urbano passa a ser um elemento estratégico para os processos de acumulação capitalista. A produção capitalista também se torna dependente das dinâmicas de produção e de consumo do espaço, principalmente com o aumento a taxa de urbanização nas últimas décadas. Analisar as relações existentes entre o espaço urbano e seus condicionantes é uma tarefa complexa, porém necessária e válida para uma maior compreensão e investigação sobre o tema. Este trabalho se justifica devido à importância de compreender as relações atuais existentes entre o homem e o meio ambiente e as consequências para a produção do espaço geográfico.

A expansão da pecuária foi responsável por fortalecer a ocupação portuguesa no sertão nordestino e em áreas do sul do Brasil por volta do século XVIII. A criação de gado nestas áreas era destinada para o abastecimento das áreas mineradoras localizadas principalmente em Estados como Minas Gerais e Goiás. Já a expansão propiciada pelos bandeirantes foi responsável por aumentar os limites das fronteiras territoriais do Brasil na época em que ainda vigorava o Tratado de Tordesilhas.  

Nos períodos imperial e republicano os portugueses intensificam o domínio territorial na região sul com a criação de gado. Já no início no final do século XIX e início do século XX há um grande movimento migratório de nordestinos em direção ao norte do país afim de explorar a borracha e ocupar o vasto território da Amazônia. As frentes pioneiras e a marcha para o oeste, com os incentivos à produção agrícola e a abertura de estrada também se constituíram um importante movimento de ocupação do território brasileiro.

A evolução da expansão territorial e do processo de ocupação do território brasileiro também teve como uma das causas o modelo de organização administrativa do país. Mesmo tendo um sistema administrativo onde as decisões ocorriam de forma centralizada, Portugal conseguiu manter a colônia sob domínio a partir de seu modelo de organização. Ao longo da ocupação e formação do Brasil é possível distinguir quatro modelos de organização político-administrativa: capitanias hereditárias, governo-geral, monarquia e república. Mesmo sendo modelos diferentes todos eles possuem como característica marcante a centralização das decisões mais importantes.

Além da centralização das decisões, o autor afirma que desde a vigência da sociedade agrária no Brasil, a propriedade da terra, pelo menos nas primeiras décadas do século XX, era uma das principais expressões de riqueza no país. Com a transição para a sociedade industrial houve diversificação nas formas de expressão da riqueza.

Já no final do século XIX, registra-se uma profunda concentração da riqueza no Rio de Janeiro, em Salvador e São Paulo. A riqueza urbana também se fez presenta na sociedade agrária brasileira. De acordo com o autor, ao longo do século XX, o Brasil conviveu com a transição da sociedade agrária para a urbana e industrial. Não obstante, as transformações nas estruturas produtiva e social, no país, persistem com elevada desigualdade econômica, menos considerando o período atual.

Estima-se que no ano de 2000, aproximadamente 10% dos brasileiros concentravam 4/5 de toda a riqueza do país. Especialmente em relação à classe dos proprietários, o peso relativo na apropriação da riqueza manteve-se praticamente estável ao longo do tempo, não havendo mudanças significativas.  

Segundo dados apresentados pelo autor, no ano de 2012, por exemplo, apenas 6,9% de todos os declarantes do IRPF, que representavam 0,9% dos brasileiros, concentravam 68,5% da riqueza. O total dos valores dos bens e direitos estabelecidos nas declarações do IRPF/SRF revela a dimensão indicativa do estoque de riqueza do país, isto é claro, sem mencionar as subdeclarações e evasões fiscais que podem subestimar a dimensão da desigualdade existente no país. A título de comparação, no início do século XXI, o índice de Gini da desigualdade no Brasil foi considerado o quinto mais elevado para cerca de 30 países participantes da pesquisa. A desigualdade da propriedade rural também foi considerada elevada, auferindo um valor de 0,854 em 2006, levando o Brasil ao posto de um dos países com as maiores desigualdades no mundo no campo.

Quando analisado o índice de Gini na distribuição dos bens e direitos nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física, observa-se que em 2006 o índice era de 0,86, em 2009 e 2012 o índice permaneceu em 0,85. Isso demonstra uma certa estabilidade, não havendo melhoras significativas.

Além da desigualdade na distribuição de renda entre as pessoas, observa-se uma expressiva desigualdade na distribuição da propriedade industrial, expressa por meio da existência de empresas de capital aberto e com ações na bolsa de valores. Na atividade de energia elétrica, por exemplo, os três maiores acionistas detinham, em 2006, quase 84% das ações da Bovespa, atual B3. No setor de veículos e peças, cerca de 60% das ações pertenciam aos três maiores acionistas.

 A comparação da situação do Brasil com a dos Estados Unidos permite constatar o quanto é significativo o grau de concentração da propriedade das ações transnacionais na Bolsa de Valores de São Paulo. No Brasil poucas empresas concentram grande parte dos recursos movimentados na bolsa, enquanto que nos EUA o número de empresas na bolsa é mais elevado se comparado com o Brasil.

A evolução do índice de Gini da propriedade rural entre os anos de 1967 e 2006 expõem o crescimento da desigualdade no campo, onde o índice passou de aproximadamente 0,836 em 1967 para cerca de 0,854 em 2006.

Com relação ao índice de Gini da desigualdade na distribuição da propriedade rural no Brasil, o autor confirma que o índice permanece em patamares elevados. Após um aumento do índice de Gini em 2,3% entre as décadas de 1960 e 1970, observa-se a prevalência de sua relativa estabilidade. E nas últimas décadas não se em observado nenhum movimento em direção da diminuição deste índice no país.

A aglomeração dos indivíduos segundo critério de classes sociais permite revelar dimensões substanciais da desigualdade econômica no Brasil. Diante da identificação que a sociedade capitalista se fundamenta na divisão original entre a posse ou não dos meios disponíveis para produção, os proprietários tornam-se referência tanto do estoque de riqueza como do fluxo de renda apropriada, conforme afirma o autor. Esta desigualdade é vista no domínio exercido por um conjunto de aproximadamente 10% da população dos meios de produção existentes. A partir desse cenário, é possível observar que a desigualdade nas classes sociais no Brasil é extrema tanto no campo quanto na cidade.

Com o rebaixamento dos salários, devido escassez na disponibilidade de emprego, houve um acirramento na disputa entre os desempregados. Esta competição ocorre entre aqueles trabalhadores que perderam o emprego e entre os novos ingressantes no mercado de trabalho.   Essa disputa ocasiona muitas vezes a redução do valor pago pelos empregadores, pois haverá uma quantidade maior de pessoas lutando por aquela vaga. A partir de 2014 este cenário se tornou mais perceptível, pois o desemprego aumento de forma acelerada.

Ressalta-se que o caráter da sociedade brasileira, estratificada e dividida entre indivíduos brancos, negros, índios, escravos e livres, dificultou a tentativa de buscar no País, padrões semelhantes de vida e de organização familiar observadas em países mais desenvolvidos, inclusive quanto ao modelo educacional, que desde as suas raízes priorizou a formação de classes mais favorecidas.

Somados aos problemas do favorecimento de classes, nos últimos quatro anos o Brasil tem passado por uma grande crise política e econômica, tendo como uma das consequências a ruptura política observada em 2016 e o aumento da desigualdade econômica no Brasil.

A reorganização política e a crise econômica resultaram em um avanço de grandes reformas de cunho neoliberal, principalmente no campo trabalhista, educacional e previdenciário, o que tem contribuído para aumentar ainda mais o desemprego e a precarização do trabalho.

Referência consultada

POCHMANN, Marcio. Desigualdade econômica no Brasil. Editora Ideias & letras. 1ªed, 2015.

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