A convivência no espaço escolar nem sempre reflete aquilo que os educadores buscam, que é um ambiente de aprendizado livre da violência e da indisciplina na escola.
A indisciplina caracterizada pelo mau comportamento, por atos de violência e violação de regras ou ordens, incompatíveis com os valores democráticos de uma sociedade, estão entre os maiores problemas enfrentados pelos professores nos ambientes escolares.
Os atos violentos no ambiente escolar requerem que sejam discutidas questões sobre a restauração da paz nos ambientes escolares, promovendo práticas que incentivem a formação de cidadãos conscientes de seu papel na sociedade e de valores baseados em promover uma sociedade menos violenta, mais democrática e consciente de seu papel.
No âmbito da discussão sobre o papel da escola e da sociedade no combate a indisciplina na escola, torna-se necessária a discussão sobre o papel que as instituições e a família promovem para a existência de um ambiente escolar mais saudável. Analisar problemas relacionados a indisciplina na escola se constitui como uma tarefa complexa e necessária.
Por isso, o presente texto se baseou na análise de três textos para a discussão sobre a indisciplina na escola, a saber: Limites: três dimensões escolares de Yves de La Taille; como restaurar a paz nas escolas: um guia para educadores de Antonio Nunes; em defesa da escola de Rosely Sayão e Julio Groppa Aquino.
Limites – três dimensões escolares segundo Yves de La Taille
É possível afirmar que a indisciplina em sala de aula é hoje um dos maiores problemas enfrentados pelos professores em sala de aula. Entre as principais reclamações dos docentes a indisciplina em sala de aula ocupa uma das primeiras posições.
A indisciplina se configura em um comportamento que atrapalha o bom andamento dos trabalhos pedagógicos. Entre os principais elementos da indisciplina estão o barulho excessivo, a não realização das atividades propostas pelos professores, a falta de respeito com o professor e com os colegas de classe. Todas estas ações tornam o ambiente escolar muitas vezes inviável e completamente desfavorável para o aprendizado.
Este tema é discutido por muitos autores e estudiosos, onde são apresentadas diversas causas que explicam tamanha indisciplina no ambiente escolar nos dias atuais. Para entender a complexidade em torno dos limites e da indisciplina na escola serão abordadas as explicações propostas por Yves de La Taille em seu livro: limites – três dimensões escolares.
Nos dias atuais a escola deve assumir um papel que vai além do ensino e da disciplina, pois este modelo já se provou ineficaz para a formação de cidadãos éticos e que respeitam o convívio em sociedade. A ausência de civilidade no convívio com o próximo necessita que sejam impostos certos limites.
Quando pensamos sobre o termo limite, surgem algumas definições tais como: linha que separa dois territórios, fronteira, ação de transpor alguma coisa, etc [1] Esta seria uma ideia de limite que envolve o meio natural ou físico, porém quando analisamos do ponto de vista dos limites em relação ao convívio entre crianças, adultos, etc., surgem algumas dúvidas sobre o porquê colocar limites ou quais são os limites aceitáveis para a convivência.
As inquietações sobre as três dimensões educacionais dos limites na convivência escolar são tratadas por Yves de La Taille. O psicólogo americano Turiel descobriu que as crianças possuem três tipos de educação moral aprendidas no seio família que também é percebida no âmbito escola, são elas: educação elucidativa, educação por ameaça e educação autoritária [1]
A Educação autoritária por ameaça, educação elucidativa e indisciplina na escola

A educação autoritária é aquela que acontece por meio da imposição de regras. Este tipo de educação possui como característica a imposição e reafirmação de uma autoridade maior, que possui o poder de ameaçar e causar alguma dor caso as suas regras não sejam seguidas. A educação autoritária pode fazer com que as crianças percam o afeto e a admiração pelos valores éticos e morais, contribuindo para aumentar a indisciplina na escola.
Educação por ameaça é caracterizada como aquele que usa o pretexto da retirada do amor, fazendo com que a criança compreenda que se fizer algo de errado ou desobedecer irá entristecer os adultos. Esta ameaça acontece por meio de expressões e gestos que demonstram tristeza.
A educação elucidativa acontece quando o adulto pune ou repreende alguém por causa de alguma ação e em seguida explicar o porquê da repreensão. A explicação geralmente envolve as consequências daquela ação para a criança e para o adulto. Estas três formas de educação colocam limites: sendo o primeiro, autoritário; o segundo afetivo e o terceiro explicativo [1]
As três formas de educação apresentadas acima levam ao questionamento sobre a melhor forma de educação a ser adotada para a formação de uma sociedade mais disciplinada, justa e democrática. Entre as três opções apresentadas certamente a educação elucidativa seria a mais indicada para ser adotada como forma de ensino, pois é a que mais contribui para a construção moral dos alunos enquanto futuros cidadãos.
Uma das principais dificuldades para a implementação da educação elucidativa é que atualmente a grande maioria dos educadores que constituem o quadro docente nas escolas são pessoas que não viveram sobre a égide da democracia na infância, passando com certa frequência por momentos de ditadura e cerceamento da liberdade na família.
Estes adultos, tanto pais quanto educadores, são um dos principais empecilhos para a implantação de uma educação mais democrática, imprescindível para a formação de uma sociedade melhor e ciente de seus limites.
Mapeado uma das origens do problema na implantação de uma educação mais democrático, torna-se necessário que haja ações para que estes adultos tomem consciência da importância de que uma educação voltada para a democracia será uma das bases da formação moral das crianças enquanto futuros cidadãos. É nesta perspectiva que devemos considerar a escola como uma instituição primordial para o exercício da democracia.
Para além de um espaço onde conteúdos são ensinados, a escola deve ser um espaço onde os alunos aprendem regras de convívio, de resolução de problemas e conflitos coletivos e de aprendizado de regras e valores sociais pautados no respeito mútuo. O caminho para se chegar a uma educação democrática deverá, neste caso, ser pautado em valores éticos, morais relativos ao bom convívio no ambiente escolar e familiar.
É importante lembrar que o desenvolvimento moral de uma criança ocorre principalmente com o contato com as regras. Torna-se necessário que esta criança receba estes ensinamentos quando em contato com o ambiente familiar, escolar e demais ambientes. Para isso, é preciso que estes ensinamentos sejam acompanhados da sua devida explicação e o porquê seguir as regras que estão sendo ensinadas.
É por meio do ensino dos valores éticos e morais que são introduzidos os conceitos de certo e errado, bom e mau, possível e impossível. Por meio da compreensão destes conceitos as crianças saberão que certas ações e decisões são proibidas justamente pelo fato de viverem em grupo, e que por isso há uma série de ações que não podem ser feitas.
Uma formação ética, quando inserida com sucesso pode evitar que o estado regule a ação das pessoas por meio da criação de leis que regularam as ações pessoais no nível de detalhe. Isto ocorre por que em uma formação ética se discute como se proceder nas relações com outras pessoas, enfatizando as responsabilidades de cada um e os princípios e valores que estas pessoas possuem da vida.
A família, por exemplo, desempenha um papel de extrema importância na educação e no desenvolvimento ético dos cidadãos, pois esta é a base para o aprendizado dos valores sociais e morais. A escola também é considerada uma instituição responsável por ensinar valores éticos, pois é considerada um espaço onde apresenta experiências de convívio diferentes daquelas em que ocorre no ambiente familiar.
A necessidade de discutir questões relacionadas a ética vem da necessidade de compreender e tentar diminuir a indisciplina escolar, considerada um dos maiores problemas da educação na atualidade e também considerada um dos problemas da aprendizagem.
A indisciplina na escola pode ir do não querer emprestar uma borracha até ao ato de falar quando não foi solicitado. Em casos extremos o aluno poderá até se recusar a sentar na carteira, agredir outro colega ou agredir até mesmo o professor [1]
Neste sentido, não é novidade que professores apontem a questão da indisciplina como uma das principais dificuldades encontradas no ambiente de trabalho escolar. Com isso, um dos principais obstáculos ao ensino seria a conduta desordenada dos alunos, traduzida em termos como: bagunça, tumulto, falta de limite, maus comportamentos, desrespeito às figuras de autoridade etc.
Mesmo que a questão da indisciplina seja uma velha conhecida dos profissionais que atuam na educação, mesmo assim sua questão teórica ainda é pouco debatida e a quantidade de obras publicadas ainda são insuficientes para que o debate sobre este tema seja amplamente discutido na escola e no meio acadêmico.
No entanto, os poucos estudos sobre o tema demonstram que os professores, principalmente os mais antigos possuem um certo saudosismo em relação ao modelo de educação do passado.
É notado que alguns educadores descrevam a educação no passado com certo saudosismo, enfatizando este modelo de ensino como algo a ser resgatado e implantado nas escolas. Porém, não lembram que naquela época o ensino tinha como características principais a aplicação de castigos, ameaças, coação, etc.
É possível visualizar claramente que este modelo não é o mais adequado para os dias atuais, visto que a sua volta incidiria em um modelo de ensino ditatorial e violento, pois o modelo de escola no passado era baseado em um espaço social pouco democrático.
Diante de tudo que foi dito até o momento, chega-se à ideia de que a escola não constitui o principal meio de educação e promoção da moral e da ética, mais sim um espaço que contribui para o desenvolvimento do aluno nos diferentes níveis, pois a formação dos cidadãos deve ser compartilhada entre a família, as instituições públicas e a sociedade, sendo que cada uma destas possui um importante papel neste processo.
Como restaurar a paz nas escolas: um guia para educadores segundo Antonio O. Nunes
Falar sobre a paz na escola é trazer para o debate questões como a restauração de práticas escolares fundamentais para formar cidadãos mais conscientes, crianças e jovens com a capacidade de promover as práticas necessárias para a promoção de uma sociedade mais humanizada.
É necessário que além do tratamento transversal que as questões relacionadas a cultura da paz possuem nos currículos escolares, seja necessário que as escolas promovam verdadeiras rotinas que incentivem e que promovam o respeito ao próximo [2]
As práticas restaurativas mencionadas por Nunes se referem ao resgate de valores relacionados ao respeito as diferenças, a dignidade e a igualdade de direitos. Discutir questões restaurativas é reconhecer que a escola tem se tornado palco de conflitos escolares.
Esta crise é uma oportunidade para construir uma cultura de diálogo e cooperação para a resolução destes problemas. Restaurar a paz também pressupõem que há um ambiente de conflito, guerra e violência. Embora a violência e o conflito façam parte da história da humanidade é preciso compreender quais os fatores que contribuem para a existência da violência nas escolas brasileiras nos dias atuais.
A violência que ocorre na escola constantemente necessita a intervenção dos professores ou da equipe escolar no sentido de tentar minimizar estes problemas. Em muitas escolas as situações de violência são vivenciadas quase que diariamente, seja física, verbal ou através do bullying.
Estes problemas levam muitos alunos a se sentirem retraídos no ambiente escolar, dificultando o aprendizado e sua inserção social no ambiente escolar. Em casos mais extremos a violência pode acarretar em um aluno que busca evitar a todo custo a ida até a escola.
Na escola os conflitos surgem de diversas formas. Alguns conflitos são comuns em nosso cotidiano, sendo até saudáveis para o nosso desenvolvimento. Estes conflitos envolvem a resolução de problemas por meio de brincadeiras, práticas esportivas, etc [2]
O outro tipo de conflito, caracterizado por meio da violência, geralmente ocorre por meio de agressões verbais, bullying, etc., e possuem como fatores para a sua prática a cor da pele, a condição social, religião e até a opção sexual do aluno.
A violência ocasionada pelo preconceito e a discriminação são um dos problemas mais sérios na escola pois geralmente possuem como raiz do problema a disputa por poder, a intolerância as diferenças e a rivalidade entre diferentes grupos.
Embora se constitua como um problema complexo e muitas vezes de difícil resolução, os conflitos podem ser remediados e solucionados por meio da adoção de práticas restaurativas que permitam a transformação dos agressores em pessoas capazes de se relacionarem com os demais sem a necessidade de recorrer a violência, cultivando uma cultura de paz e de harmonia entre as partes.
Os conflitos e a violência são questões sociais que podem acabar refletindo em questões familiares e escolares. Neste sentido, as instituições de ensino também são caracterizadas por apresentarem uma estrutura social tal qual acontece na sociedade. Porém, é possível observar algumas particularidades dentro da escola, enquanto outras são comuns dentro e fora da escola. Um exemplo de relações sociais observados dentro e fora da escola são as amizades, relações de poder, romances, etc.
Algumas destas relações surgem no seio da sociedade enquanto outras são observadas dentro das instituições de ensino. A escola é considerada uma comunidade especifica, demonstrando características relacionadas a organização social, política e cultural [2]
A escola também pode ser um vetor de geração de conflitos que caracterizam a indisciplina na escola e que podem acabar por incentivar as práticas de violência. Segundo uma pesquisa realizada pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administrativo em Terceiro Setor (CEATS) cerca de 70% dos estudantes afirmaram ter presenciado cenas de agressões entre colegas durante o ano letivo de 2009 [2] Bullying, agressão física, agressão verbal e vandalismo estão entre os principais tipos de violências presenciadas pelos alunos e professores. Em casos mais graves há até alunos agredindo professores em plena sala de aula.
Assim, o ambiente escolar pode ser considerado o palco de uma diversidade de conflitos, que envolvem questões de relacionamento e de convívio entre pessoas de diferentes religiões, sexo, idade, etnias e condições sociais e culturais diversas. Estas características demonstram que a escola, enquanto espaço multicultural e multidisciplinar, deve estar preparada para saber lidar com as questões relacionadas as tensões próprias do ambiente escolar.
Neste sentido, os conflitos escolares podem acontecer a partir de vários aspectos e envolver desde os alunos até os professores. É importante salientar que a violência, muitas vezes naturalizada pelo viés da brincadeira e não levada a sério enquanto um problema maior, poderá acarretar em problemas muito maiores dentro e fora da escola, alimentando a violência estrutural pela qual está passando toda a sociedade.
Há uma necessidade em abordar os conflitos escolares sob um ponto de vista da educação preventiva, orientando e demonstrando aos alunos o quão grave são as práticas de violência, tais como o bullying, violência verbal, etc. Não tratar estas questões com a devida seriedade faz com que a escola se torne cumplice de toda esta problemática. No entanto, tratar os problemas relacionados a violência de uma forma punitiva faz com que a abordagem do problema seja ainda mais negligente e prejudicial.
A abordagem da violência pelos recursos tradicionais, ou seja, por meio de uma prática punitiva não provoca no aluno e também em quem o pune uma reflexão sobre as causas da origem do conflito. Somente através das práticas restaurativas que as partes envolvidas podem refletir sobre as principais causas que originaram o conflito [2]
Será através do diálogo que os envolvidos no conflito poderão compreender os dados de suas ações para a sua vida e para toda a sociedade, tornando-se responsáveis por evitar novos conflitos e por restituir possíveis danos.
Neste sentido, fica evidente que a restituição da paz nas escolas não pode ser alcançada por meio da punição dos conflitos, mais sim do estabelecimento de um diálogo entre as partes conflituosas, onde a escola desempenha um papel primordial para o sucesso deste modelo de abordagem contra a violência.
Em defesa da escola – uma breve análise segundo Rosely Sayão e Julio Groppa Aquino
A publicação do livro: “Em defesa da escola” de autoria de Rosely Sayão e Julio Groppa Aquino traz em suas páginas uma conversa em que trocam ideias a respeito de temas como: instituição e família, relacionando estes temas com as dificuldades e ameaças enfrentadas pela escola.
A instituição familiar parece estar passando por uma crise e que a sociedade está inquieta com todas estas questões. Diante destas inquietações surgem questões relacionadas a que tipo e/ou modelo de família teremos no futuro, quais serão as configurações dos espaços escolares, etc [3]
Nos diálogos presentes no livro é possível perceber que há uma ligação entre as lembranças da infância de Sayão e as questão relacionadas ao campo da educação, uma destas questões foi o fato de mesmo com pouca escolarização, o seu pai adorava a prática da leitura.
A partir das discussões tem-se uma noção de que é preciso defender a escola, destacado a sua importância enquanto instituição, promotora por excelência, das transformações no campo sociocultural e não somente no campo da instrução. A discussão sobre a defesa da escola também levanta o debate para questões cruciais sobre a educação escolar e familiar e sobre as relações entre professor e aluno.
As relações entre o professor e aluno é por vezes conturbada e o cotidiano em sala de aula muitas vezes é caracterizado por conflitos e ações desproporcionais tanto de alunos quanto das equipes educacionais. Neste sentido, há uma certa dificuldade dos profissionais da educação em dialogar diante da complexidade do cotidiano escolar. Esta dificuldade demanda a criação de estratégias de abordagem dos problemas em detrimento das reclamações constantes. A produção de Sayão e Aquino apontam para a existência de dificuldades já consolidadas na configuração da sociedade atual.
As discussões em relação a defesa da escola demonstram que Sayão e Aquino expressam por meio de palavras as suas inspirações e desejos em relação a escola. Mesmo provocando algumas tensões, as discussões promovidas por estes autores são primordiais para um entendimento mais aprofundado dos problemas pela qual passam as escolas e a sociedade contemporânea, principalmente com relação a indisciplina na escola.
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Referências consultadas
[1] LA TAILLE, Yves de. Limites: três dimensões escolares. São Paulo: Ática, 2010.
[2] NUNES, Antonio O. Como restaurar a paz nas escolas: um guia para educadores. São Paulo: Contexto, 2011.
[3] SAYÃO, Rosely & AQUINO, Julio Groppa. Em defesa da escola. São Paulo, Editora Papirus: 2016.