A discussão sobre gênero e sexualidade é ampla, e por vezes, complexa, pois envolve uma série de fatores, que entre eles incluem as relações sociais que foram se desenvolvendo e modificando ao longo do tempo. Porém, se torna pertinente, neste trabalho conceituar o que seria gênero e sexualidade. Após esta conceituação será discutido como a questão do gênero se encaixa na discussão sobre a atual sociedade do desempenho.
O conceito de gênero chegou até nós a partir de uma categoria chamada “gender”. Esta categoria pode ser considerada a expressão de uma construção de linguagem e cultura. Por outro lado, temos a noção de identidade de gênero como sendo uma categoria de estudo responsável por pesquisar o papel do indivíduo dentro de uma determinada cultura.
Sendo assim, se o sujeito não é estável ou fixo, a única coisa que se pode dizer é que o próprio gênero é construído na linguagem e pela linguagem, e a noção de identidade não é tomada como ponto de discussão. Baseando-se em Foucault e Derrida, Butler acredita que “a diferença e a divergência solapa qualquer tentativa de instaurar uma identidade” [1]
Neste caso, tanto a noção de gênero como de sexo seriam uma construção humana, que caracteriza e categoriza as pessoas a partir de suas diferenças. Há que se falar das diferenças existentes entre gênero e sexo, enquanto o primeiro trata de uma questão mais ampla envolvendo diversos aspectos do ser humano, o segundo se refere ao sexo masculino e sexo feminino, ou seja, macho e fêmea.
É importante compreender que as pessoas, nos diferentes momentos de desenvolvimento da sociedade, experimentaram situações de oportunidades ou exclusão tão-somente por pertencer a um determinado sexo. E isso pode ser visto em diferentes estratos da sociedade, tais como no mercado de trabalho, na política ou na participação no serviço militar.
A participação das mulheres nas forças armadas, por exemplo, só ocorreu depois de uma série de debates e discussões que geralmente levantavam questões como: quais as características físicas e psicológicas das mulheres são as mais indicadas para o combate. Discussões como estas acabam por deixar de considerar o importante papel das mulheres nas diferentes áreas do exército. Trata-se neste caso, de aproveitar as potencialidades femininas em áreas estratégicas.
As diferenças observadas quanto as oportunidades disponíveis e passiveis de serem aproveitadas de acordo com o sexo é algo que os pesquisadores têm se debruçado com certa frequência nos últimos anos. A jornada de trabalho doméstico, por exemplo, é muito maior para as mulheres, em todas as idades, do que a jornada masculina [2] Neste caso, os homens dispõem de muito mais tempo para alcançarem níveis mais altos de estudos, qualificação e rendimentos financeiros.
A maior carga horária de trabalho doméstico, além da necessidade de trabalhar e estudar, se constitui em desafios e/ou obstáculos muito maiores para as mulheres, que somados a atual lógica de produção capitalista onde a responsabilidade do sucesso recai sobre a pessoa e não sobre o sistema em que ela está inserida, faz com que a possibilidade de doenças neurológicas e físicas sejam muito maiores entre as mulheres.
A lógica de produção e desempenho pessoal e profissional com a qual as mulheres, e em menor escala os homens, estão submetidos na sociedade atual está contribuindo para um crescimento acelerado de doenças mentais. Pela primeira vez na história da humanidade estamos vivenciando um aumento paralelo no uso de medicamentos e do número de doenças quando, na verdade deveria haver uma redução [3]
Destaca-se que nos últimos anos a indústria de antidepressivos no Brasil tem experimentado um crescimento considerável. Nos últimos cinco anos a venda de medicação subiu cerca de 48% de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em 2012, por exemplo, foram vendidas aproximadamente 42 milhões de caixas de antidepressivos. Para citar dados mais recentes, destaca-se que somente no ano de 2020 a venda de antidepressivos obteve um crescimento de 17% em relação ao ano anterior. Foram quase 100 milhões de caixas de medicamentos vendidos em 2020.
A massificação do positivo tem sido um dos motivos para o crescimento do numero de pessoas que procuram cada vez mais antidepressivos. As pessoas não são mais “sujeitos de obediência” como na sociedade disciplinar. Isso quer dizer que passaram a ser empresários de si mesmos. Por tanto, sujeitos do desempenho e produção. Isso adiciona um peso a mais sobre as pessoas. Han afirma que na sociedade do século passado havia uma cultura disciplinar, que de certa forma se baseava na negatividade, onde o que dominava era o “não-ter-o-direito” em contraste com o “poder ilimitado” observado na sociedade do desempenho.
Byung-Chul Han ao escrever sobre a sociedade do cansaço afirma que doenças como depressão e outras síndromes, estão diretamente ligadas a uma sociedade que valoriza a cultura de produção. E esclarece que não se trata de uma exigência de ser você mesmo o tempo todo, mais sim uma necessidade de você ser mais e mais produtivo, ou seja, o seu valor será medido pelo seu desempenho. Além disso, se torna importante citar uma carência de vínculos que nesta sociedade tem-se tornado escassa.
Neste sentido, a sociedade atual, fruto de um excesso de positividade, excesso de trabalho e incessante auto cobrança por melhores desempenhos, tem acelerado ainda mais para um cenário onde o homem, é senhor e escravo de si mesmo. Estes problemas têm afetado pessoas de todos os sexos.
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Referências
[1] D’ANGELO, Luisa Bertrami D’Angelo. 7 conceitos essenciais para entender o pensamento de Judith Butler. January 28, 2016.
[2] SOARES, Cristiane. A distribuição do tempo dedicado aos afazeres domésticos entre homens e mulheres no âmbito da família. Revista Gênero, v. 9, n. 1, 2008.
[3] AMADO, Roberto. Farmacopornografia: por que a indústria milionária do antidepressivo está batendo recordes. 2013.