Como a África tornou-se negra

Jared Diamond, biólogo e biogeógrafo estadunidense faz uma crítica aos europeus e americanos por compararem os africanos nativos aos negros e destacarem os africanos brancos como intrusos recentes neste continente. Ao pensarem assim, a maioria dos ocidentais acaba por difundir uma história errônea sobre a África e a simplificar a história racial africana à história da colonização europeia e ao comércio de escravos neste continente.

Há uma certa razão para tratar sobre este tema, principalmente porque a maioria dos norte-americanos, sul americanos e europeus acreditam que os negros são os únicos africanos nativos que existem na África. Isso decorre porque os negros foram levados em grandes quantidades como escravos para os Estados Unidos e para países da América Latina como o Brasil.

É importante destacar que variados povos podem ter ocupado há alguns milhares de anos, grande parte da África negra moderna. Além disso, destaca-se que os chamados negros africanos são, eles próprias, heterogêneos, possuindo diferentes culturas, costumes e formas.

Mesmo antes da chegada dos colonizadores europeus, a África já não abrigava somente negros. Este continente abrigou cerca de cinco das seis principais divisões da humanidade, onde três restringem-se aos nativos na África. Também abriga um quarto de todas as línguas faladas no mundo. Isso demonstra que nenhum outro continente abrange tamanha diversidade humana.

Toda esta desinformação sobre este rico continente está sendo motivo para que alguns países africanos promovam ações que visem esclarecer sobre o processo de formação e constituição dos povos africanos.

Hoje, embora os acontecimentos na vizinha África do Sul exijam mais a atenção do mundo, a Namíbia e demais países também estão lutando para lidar com seu passado colonial e estabelecer uma sociedade multirracial. O caso da Namíbia é um exemplo de que o passado da África é inseparável de seu presente, e onde os acontecimentos ligados ao seu passado colonialista têm que ser separados da sua rica constituição em um passado ainda mais distante.

Estima-se que a África já era habitada por humanos muito antes que qualquer outro lugar, mesmo naquilo que chamamos hoje de velho mundo, a Europa. Nossos ancestrais se originaram no continente africano por volta de sete milhões de anos. O homo sapiens moderno também pode ter surgido lá. A figura abaixo nos mostra que haviam grupos de pessoas com características diferentes na África por volta do ano 1000. Os cinco principais eram os Brancos, Negros, Pigmeus, Coissãs e Asiáticos. 

Distribuição dos povos africanos anteriormente. Fonte: Moraes (1990).

Para Jared Diamond a distribuição de brancos no norte da África não pode ser encarada como algo surpreendente, pois povos fisicamente semelhantes já vivem em áreas adjacentes do Oriente Próximo e da Europa. Além disso, outro mistério envolve negros, pigmeus e coissãs, onde a distribuição destes povos indicam verdadeiras convulsões populacionais no passado.

Como exemplo, destaca-se a distribuição fragmentada de aproximadamente 200 mil pigmeus espalhados entre 120 milhões de negros. Outro levantamento diz respeito sobre a possibilidade de eliminação dos coissãs e diminuição da sua área de influência no continente africano.

Outra questão analisada diz respeito a ilha africana de Madagascar. O povo que habita a ilha possui duas características: uma diz respeito ao negro africano e o outro aos asiáticos do sudeste tropical da Ásia. Este caso mostra que ainda há muito o que se descobrir sobre os diferentes povos que habitavam a África antigamente e de que forma conseguiram chegar onde estão atualmente.

A diversidade linguística da África também contribui para compreender a riqueza social presente neste continente. Povos característicos como os pigmeus, viveram suficientemente isolados para desenvolver sua própria família de línguas. Isso também ocorreu com centenas de povos na África que possuem uma língua própria.

Toda essa diversidade foi impactada com a chegada dos Europeus, que tendo vantagens no campo bélico conseguiram impor o seu modelo de organização administrativa e política necessária para sustentar os programas de exploração e conquista. Todas estas vantagens se manifestaram assim que começaram os confrontos entre os europeus e os povos do continente.

A última surpresa é que todas as culturas nativas da África, as do Sael, da Etiópia e da África Ocidental têm origem ao norte do equador. Nem um só produto agrícola africano teve origem no sul. Isso já nos dá uma pista do motivo pelo qual os falantes das línguas nigero-congolesas, partindo do norte do equador, conseguiram expulsar os pigmeus da África equatorial e os coissãs subequatoriais [1]  

Destaca-se que tanto os coissãs quanto os pigmeus não conseguiram desenvolver uma agricultura forte, principalmente por causa das características naturais e da ausência de plantas silvestres na África meridional. Destaca-se que os principais produtos agrícolas da África se localizavam longe do seu ponto de origem, indicando que há possibilidade de que povos vindos de outras localidades contribuíram para a inserção destes produtos no continente. A domesticação de plantas e animais, apontam para uma vantagem inicial da Eurásia, e não da África.

Também é importante destacar, com relação à interpretação ocidental da África, a questão de se a cultura africana é essencialmente mágico-religiosa em caráter e se pode ser interpretada por meio do trabalho de outros estudiosos além dos filósofos africanos. Certamente, cabe aos psicólogos analisar os padrões de pensamento de uma amostra representativa dos africanos, ou aos antropólogos dar descrições detalhadas dos padrões culturais étnicos e sob a luz dessas evidências decidirem a questão. O trabalho do filósofo ou do geógrafo não é científico nem empírico; ele não procura investigar situações ou estabelecer fatos. É algo muito mais conceitual e argumentativo em sua natureza.

Em relação à analogia de condições climáticas, quando uma durbanesa já viveu em Gauteng por um tempo, é possível que ela perceba que o clima em Durban é quente e úmido. Em uma situação de transculturação, as pessoas podem, se quiserem, pisar em uma estrutura diferente e olhar sua própria cultura de um ponto de vista radicalmente diferente. Isso faz com que uma apreciação plenamente consciente de sua própria cultura seja possível a todos, não apenas aos sábios filosóficos.

De acordo com alguns autores a colonização europeia na África em nada tem a ver com as diferenças existentes entre os povos africanos e europeus como sugerem os racistas brancos, mais sim em virtude dos acidentes geográficos e biogeográficos. Tudo isso se relaciona com as formas de influências da natureza sobre o homem onde determinadas características geográficas podem favorecer o isolamento e a conservação de características específicas de um povo ou contribuir para a sua expansão. Isso ajuda a entender que as características ambientais se fazem presentes, por exemplo, na forma como os povos se expandem ou se localizam em um determinado lugar. 

Neste sentido, é possível apontar para uma série de evidências antropológicas, linguísticas e geográficas que contribuem para entender como se deu o deslocamento dos povos africanos ao longo de milênios, destacando os principais povos e sua relação com as características físicas do ambiente. Há uma grande diversidade populacional na região, o que descaracteriza o discurso americano e europeia de uma África predominantemente negra desde a sua origem.

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Referência

[1] MORAES, A.C.R. Ratzel. São Paulo: Ática, 1990.

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