fronteiras e limites

Fronteiras e limites

Introdução

Analisar o conceito de território, fronteiras e limites é uma tarefa um tanto complexa, pois requer que o pesquisador considere uma série de fatores, teorias e definições que foram desenvolvidas ao longo das últimas décadas por diversos pesquisadores da área.

Ao longo da história os termos fronteiras e território vão adquirindo novos sentidos e conotações que de certa forma refletem o momento histórico, social e científico de cada época. Na geografia, estes termos passaram por grandes transformações, adquirindo significados diversos que procuravam responder as necessidades dos grupos sociais no tempo e no espaço.

A construção dos conceitos de fronteira e limites na Geografia, e em especial na geografia brasileira, tiveram grande influência das experiências europeias na definição de suas fronteiras e limites. Grandes nomes como: Friedrich Ratzel, Ru, dolf Kjellen, Karl Haushofer, Claude Raffestin, entre outros., tiveram papel fundamental na construção dos conceitos analisados neste artigo.

Estado, Fronteiras e limites

Os Estados são considerados formas territoriais de organização política. A partir da constituição destes Estados ou reinos, também há o surgimento do conceito de limites e fronteiras.

Até então, os limites eram demarcados a partir de suas características naturais. A partir do século XVIII as demarcações passam a contar com estudos topográficos e de engenharia, tornando estes limites mais precisos entre os países. Na análise da relação entre limite e fronteira, esta matéria propõe considerar o limite entre unidades territoriais como uma solução para estabilizar os movimentos de contração/expansão dos sistemas de povoamento, dos sistemas de intercambio, e dos sistemas de organização social, todos eles sistemas abertos, ipso facto, caracterizados por um forte potencial de instabilidade [1]

É importante ressaltar que a noção de “fronteira” é diferente e muito mais antiga do que a noção de limite, onde a literatura acerca do tema aponta a sua possível origem, concepção e evolução no Império Romano e no Império Chinês. Já em pleno século XX o conceito de fronteira foi aplicado para delimitar às cidades. Para isso, foi utilizada as características naturais que cercavam estas cidades como: montanhas, florestas, rios, etc.

Outro autor que contribuiu de forma considerável para o desenvolvimento do conceito de fronteira foi Friedrich Ratzel. De acordo com Ratzel a fronteira divide-se em três grupos: fronteiras naturais, política e artificiais. No quadro abaixo é possível visualizar em detalhes os tipos, subtipos e atributos das fronteiras.

Definições do conceito de fronteira de acordo com Friedrich Ratzel.

Ratzel esclarece que fronteiras deficientes são aquelas que constantemente apresentam problemas em seu processo de demarcação. Isso faz com que este tipo de fronteira esteja constantemente em discussão entre ambos os lados. Cabe destacar que este tipo de fronteira também pode existir dentro de um país. Por exemplo, até hoje existem discussões no congresso nacional sobre demarcações de fronteiras entre alguns estados brasileiros.

Dessa forma, pode-se perceber que Ratzel tinha um apurado senso empírico e buscou a partir dessa apreensão, construir uma tipologia que tivesse a função e orientar os Estados na construção de seus territórios – numa apreensão pragmática –, afinal Ratzel afirmava que toda questão de fronteira era antes uma questão territorial [2]

Observa-se então, que as definições dos diferentes tipos fronteiras propostas por Ratzel tem alguma ligação com o território. São definições que buscam caracterizar as fronteiras afim de garantir a dominação sobre elas e a possível expansão territorial. Abaixo é possível visualizar um resumo dos diferentes conceitos de fronteira.

AutorIdeias sobre o conceito “fronteira”
Friedrich RatzelAs fronteiras são o órgão periférico do Estado, destacando-se duas características: fronteira como zona – as cidades – e fronteira como linha – traçado geodésico. Linhas e zonas são limites.
Rudolf KjellenAs fronteiras são a epiderme dos Estados (uma análise mais da ciência política que da geografia).
Jacques AncelAs fronteiras são isóbaras políticas, ou seja, linhas permanentes de tensão entre dois campos de força.
Jean GottmannAfirma que o mundo não é uma “bola de bilhar”, sem fronteiras, porque o território é o “abrigo de um povo”, por isso a importância das fronteiras delimitando regimes políticos distintos.
Everardo BackheuserTomando as ideias de Ancel, Backheuser elabora uma “equação de pressão de fronteira”, por considerar a fronteira como construção geopolítica dos Estados.
Karl HaushoferA fronteira é a região da expansão. Um povo deve adquirir o “sentido” da fronteira, esse precioso fator espiritual que mantém a vida. A fronteira não corresponderá à linha geométrica do direito internacional.
Hildbert IsnardAs fronteiras são a cristalização dos limites da organização do espaço realizado por distintos projetos políticos, inclusive projetos não-estatais.
Michel Foucher“A fronteira é uma descontinuidade geopolítica, com funções de delimitação real, simbólica e imaginária”. Considera as fronteiras segundo díades, bem como a existência de fronteiras internas.
Claude RaffestinA fronteira é zona camuflada em linha. As divisões político-administrativas são encaradas também como fronteiras, porque elas seriam a armadura de sustentação e vitalidade da fronteira externa. Zonas e linhas fariam parte de um sistema de limites.
Definição de fronteira de acordo com alguns autores [2]

As fronteiras, externas ou internas, são elementos constituintes da configuração territorial e, portanto, participam da integração do território. Em verdade, todo território nacional é chamado a participar, pois é a nação (o Estado territorial + a sociedade civil), através dos mecanismos de poder de que dispõe (seja pela via legislativa – a Constituição e suas leis –, seja pela via orçamentária ou fiscal, ou ainda pelo exercício do planejamento), que exerce seu peso político sobre todas as parcelas do território nacional [2]

O tema das fronteiras no continente Europeu

O tema das fronteiras internas e externa se constitui como uma questão sensível e problemática, principalmente quando se trata da União Europeia. Isso ocorre porque as fronteiras estão ligadas a escolhas políticas que abrangem o livre comércio, livre circulação e abertura ou fechamento de fronteiras à migração.

Observa-se que a Europa é considerada um espaço geográfico impreciso, que foi construído e modelado ao longo da Idade Média, e que ainda possui grandes problemas quanto a questões de definição. Estes problemas demonstram a dificuldade e complexidade que é analisar a questão territorial e fronteiriça considerando a Europa como exemplo de análise.

Neste sentido, territórios e fronteiras estão ganhando novas interpretação políticas e novos contornos regulatórios, pois antes tanto Estado quanto Mercado eram parceiros no processo de delimitação de fronteiras, onde este último provocava a ação Estatal em direção da delimitação.

Porém, o que se observa atualmente é que o Mercado exige uma maior flexibilização das fronteiras enquanto o Estado e outros movimentos passam a exigir uma maior demarcação.

Ultimamente o termo fronteira tem sido empregado em vários sentidos que vão desde o limite entre dois países até sentidos simbólicos ou figurados, tais como fronteira moral, social, militar, linguística, entre outros.

A origem do termo fronteira, como seus correspondentes na língua espanhola (frontera), na francesa (frontière) e na inglesa (frontier) derivam do antigo latim para indicar parte do território situada em frente.

O termo apresentava significado semelhante na antiga Germânia, sob a designação de Mark, significando região periférica. […] O registro de uso do termo se deu inicialmente pelos militares, que iam ao front para fazer a defesa territorial do poder real contra possíveis invasores [3]

De modo geral, além da demarcação de territórios, a fronteira também surge a partir de uma noção sagrada, isto é, era vista por meio de grupos de pessoas a partir de uma conceituação construída por meio da crença e expressa pela religiosidade.

Destaca-se que os povos estariam vinculados às práticas culturais de um lugar específico. Isso contribuía para que a cultura e a religião influenciassem na demarcação e delimitação fronteiriça entre diferentes territórios.

O estudo da influência das crenças para a delimitação e definição de fronteira vinha das ações de certos grupos populacionais que acreditavam que a fronteira era dominada por divindades que protegiam o grupo e que expulsavam todos os males.

Porém, cabe destacar que outros grupos ou impérios, mesmo crendo em certas crenças não confiavam na proteção divina de suas fronteiras, como o Império Chinês que construiu murros em suas fronteiras, sendo até hoje uma das maiorias fronteiras artificiais do mundo.

Ao longo do tempo, as fronteiras deixaram de representar algo místico e por vezes, construções divinas para incorporar novos significados, até chegar à noção de fronteira enquanto delimitação político-administrativo. Um dos exemplos mais antigos de delimitação político-administrativa refere-se ao Tratado de Tordesilhas.

Além ser constituída por meio de técnicas geométricas avançadas para a época também dava início a uma nova concepção geográfica sobre as fronteiras. Embora aplicada no continente americano, o Tratado de Tordesilhas, criado no ano de 1494, foi a primeira experiência europeia de delimitação de uma fronteira linear. Por outro lado, no continente europeu as fronteiras e territórios já possuíam limites bem definidos, principalmente devido as disputas que haviam acontecidos durante séculos.

Além da delimitação de povos e civilizações as fronteiras passaram a criar novas paisagens e territórios, contribuindo com a criação do termo Paisagem de fronteira, uma vez que os elementos constituintes destes lugares contribuíam para que a fronteira criasse a sua própria região distinta das demais.

Outro conceito importante é o de Fronteira de compra. O aparecimento deste tipo de paisagem decorre da existência e concentração de lojas, shopping, restaurantes ou pequenas cidades que se localizam em cidades de fronteiras [4]

É possível citar como exemplo a cidade de Andorra, localizado entre a Espanha e a França. Trata-se de um pequeno principado que tem como ponto forte o comercio, gerando grandes fluxos de pessoas afim de comprar produtos sem taxas ou impostos.

Vista de uma das ruas de Andorra. Fonte: https://images.app.goo.gl/512Bkg95j3FC4obz6

Na zona urbana das cidades fronteiriças, a paisagem de fronteira é caracterizada por pequenos ou médios contrastes em seu espaço. Na zona rural a fronteira se depara com ambientes vastos e com dois ou mais sistemas políticos e econômicos diferentes. Já na zona urbana a fronteira pode ser mais perceptível, onde pode ser delimitada por meio de barreiras, muros e cercas.

Sem dúvida alguma, barreiras, cercas e muros representam os tipos mais conhecidos de paisagem de fronteira não apenas por serem os mais mostrados na mídia, mas também por serem, aos olhos da opinião pública, os que sustentam a maior taxa de tragédias e dramas humanos.

Ainda é possível a existência de uma segunda categoria de barreiras, que tem como objetivo criar um ambiente de maior obstáculo afim de evitar o contrabando de drogas, tráfico humano, entrada ilegal de pessoas, entre outros. Na figura abaixo é possível visualizar parte do muro indicando a divisa fronteiriça entre o México e os Estados Unidos. Situações como esta também ocorrem entre a Espanha e o Marrocos e entre Israel e a Cisjordânia.

Muro que divide o México e os Estados Unidos. Fonte: https://images.app.goo.gl/dAjWNb4h2d756pX28

A dificuldade em definir e delimitar as fronteiras e limites indicam que os elementos naturais não bastam por si só para configurar as fronteiras, pois também se torna necessário conhecer toda a dinâmica social, econômica e política que envolve as partes [5]

Com isso, tanto Élisée Reclus quanto Friedrich Ratzel consideram a fronteira como construção do pensamento humano, e que por isso, tratam-se de entidades artificiais de difícil fixação em definitivo. Isso contribui para entender que embora haja uma discussão aprofundada sobre o tema, sempre haverá a possibilidade do surgimento de novas interpretações e de novos tipos de fronteiras de acordo com o momento histórico. 

Mesmo se constituindo uma tarefa complexa e de difícil tratamento, foi possível apontar algumas visões para o conceito de fronteira e limites, sendo estes termos definidos e tratados por diversos autores. As pesquisas apontam que as fronteiras possuem duas visões científicas: a primeira trata da visão história e política entre os Estados nacionais e a outra trata da questão local ou regional, se referindo as interações que ocorrem entre as populações de áreas fronteiriças. Tratam-se de questões que podem variar de uma escala local até uma dimensão global.

As diferentes visões sobre os conceitos de território, fronteiras e limites e seus estudos com base na realidade europeia se configura como uma problemática de pesquisa, pois são inúmeras as possibilidades de estudos e interpretações científicas baseadas no caráter físico, social, político e administrativo que influenciam no processo de estabelecimento e consolidação das fronteiras e dos territórios.  

Referências

[1] MACHADO, Lia Osorio. Sistemas, Fronteiras e Território. Departamento de Geografia, UFRJ, 2002.

[2] CATAIA, Márcio. QUEM TEM MEDO DAS FRONTEIRAS NO PERÍODO DA GLOBALIZAÇÃO? Terra Livre, v. 1, n. 40, p. 65-80, 2013.

[3] FERRARI, Maristela. As noções de fronteira em geografia.

Revista Perspectiva geográfica. v. 9, n. 10 (2014).

[4] SANGUIN, André Louis. Paisagens de fronteira: variações em um importante tema da geografia política. Boletim Gaúcho de Geografia v. 42, n.2 – págs. 389-411 – MAIO de 2015.

[5] Steiman, R. & Machado, L.O., 2002. Limites e Fronteiras Internacionais – uma discussão Histórico-Geográfica.

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